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BLOG PEF 2023 Por André Teixeira

BATE-PAPO COM JACOOB BOSCH

A despeito de toda evolução tecnológica, a fotografia em película resiste, conquistando novos adeptos a cada dia. A perspectiva de clicar de uma forma mais pensada, sem o imediatismo do digital, explorando a criatividade e as possibilidades dos filmes preto-e-braco – ou mesmo coloridos – vem atraindo fotógrafos como Jacoob Bosch, diretor do Festival Arte Analógica SP, grupo que participou do Paraty em Foco 2022 com uma apresentação na Tenda de Projeções e um espaço no Centro Histórico, com uma exposição e workshops. Neste papo, Bosch fala sobre o ressurgimento – inclusive entre os jovens – da paixão pelas câmeras e filmes.

Começo com uma provocação: diante do avanço da tecnologia digital, fotografar em película não soa um pouco anacrônico? Por que fotografar com filmes?

      Por que não fotografar com filme? Fotografar em película e fotografar digitalmente devem ser observados de maneira separada e apreciando em cada uma suas virtudes e complicações.

     A tecnologia digital tem contribuído muito para tornar o ato de fotografar mais rápido e até eficiente, com inúmeras ferramentas que facilitam muito a entrega e visualização imediata das imagens.Isso proporciona espaço para muita criatividade no desenvolvimento da arte somado ao mundo dos recursos tecnológicos.

        Com a fotografia analógica é preciso mudar as marchas, é preciso tomar mais tempo antes de fazer o primeiro clique e ao também mais tempo para poder ver o resultado final. Isso falando na questão técnica dos processos. Acho que a principal diferença esteja mais atrelada à vivencia da do uso dos tempos e recursos.

        Já para os amantes da fotografia em filme há o que chamam de nostalgia, aquela que envolve outros sentidos que não só o do olhar. Com a fotografia de filme você exercita o olfato por conta das químicas usadas para revelar, o tato quando sente a textura dos acetatos e o papel que sai molhado desses banhos de química e por fim o olhar...mas um olhar muito mais pensante pois você carrega as emoções que esses outros sentidos lhe proporcionaram no processo da criação da imagem fotográfica tangível.

 

Um das supostas vantagens da fotografia digital é o baixo custo – depois que se compra o equipamento, claro. Quanto custa virar um fotógrafo analógico, em média? Qual o valor do equipamento básico, filmes e revelação? 

      Pois é! Você o colocou da maneira certa “são supostas vantagens”. Podemos dizer que até uma certa data existia uma vantagem no que se trata de baixo custo, isso antes da pandemia, quando um filme fotográfico considerado “bom” custava entre R$ 45,00 e R$ 65,00 e um filme barato custava $25,00. Hoje esses filmes estão custando acima de R$ 100,00, inclusive aqueles que eram os mais baratos. 

    O mesmo aconteceu com o restante do equipamento, câmeras, flash, equipamento de revelação, etc. Tenho ouvido falar de muitas pessoas que fazem parte do universo analógico de que a fotografia com filme virou gourmet...  

      Mas existem boas maneiras de reduzir os custos indo atrás de uma produção “mais artesanal”.  Você pode comprar filme fotográfico por metros, em latas. Com uma lata pequena de 30 metros de filme pode se fazer 18 filmes de 36 poses e o custo muda consideravelmente. Não chega a ser o valor de antes mas com certeza muito barato se comparado com os valores absurdos aos quais chegou o mercado hoje em dia. 

        Você pode encontrar uma câmera usada com funções mecânicas a partir de R$ 400,00 e outra por mais de R$ 5000,00 dependendo da marca, modelo e principalmente estado de conservação. O mesmo acontece com as lentes, mas pode-se achar ótimas em feiras e leilões de usados ou no exterior. Isso também vale para os produtos de laboratório. Você pode fazer as suas químicas para revelar em casa artesanalmente ou comprar prontas nas lojas. Isso é mais fácil de se fazer quando se trata de película em preto e branco, pois as químicas e os equipamentos para revelar filmes coloridos são mais escassos e com um grau de dificuldade um pouco maior por conta do cuidado nas temperaturas que eleas exigem. De todo modo sempre vai ficar mais barato fazer em casa do que mandar revelar num minilab. Existem hoje no Brasil algumas iniciativas muito boas por parte de alguns laboratórios de fazer as revelações dos filmes a preços bem baixos e com qualidade. O nosso Festival sempre está chamando essas pessoas a participar dos eventos para assim ajudar a comunidade analógica do Brasil a ter mais acesso a esses recursos com preços justos.

Há diferença no resultado final de uma foto em película e uma digital?

      Sim, absolutamente! Uma diferença radical, especificamente na sensação que produz no observador. Esse observador pode ser seu colega de trabalho, um parente como a sua mãe ou um tio querido, um perito da polícia criminal o um cientista da Nasa!

     Os resultados estéticos podem variar enormemente no que hoje é considerado, bom, regular, ótimo, excelente ou uma obra de arte. Os resultados tangíveis, após passarem pela degustação dos sentidos do observador, sempre terminam provocando uma reação, seja ela negativa ou positiva, seja compaixão ou raiva, seja serenidade ou euforia, mas, de toda forma, o resultado final de uma fotografia feita em película sempre se torna quase que um mistério que está prestes a se revelar.

Uma das questões da fotografia em película é a preservação dos negativos e ampliações. Como vocês lidam com isso, ou seja, como cuidam do acervo?  

       Do que tenho observado ao conversar com laboratoristas, aficionados e profissionais das artes analógicas, o púbico geral pouco sabe ou se preocupa com essa parte do processo da caminhada analógica. 

     O primeiro que fazemos é tentar ajudar as pessoas que estão começando nesse mundo é explicar que os negativos são feitos de materiais muito sensíveis às mudanças de temperaturas e riscos devido ao manuseio na hora da digitalização ou ampliação. Sempre indicamos para que sejam conservados em folhas de polietileno ou polipropileno cristal, materiais livres de ácidos.São sempre recomendados por profissionais e podem se encontrar em muitas lojas nos principais centros das cidades. 

    É sempre importante manter um registro com todas as anotações das fotos feitas, o equipamento usado e as químicas com as quais foram revelados esses filmes. Essas informações podem ser muito úteis na hora de tratar um negativo danificado.O acervo físico pode ser guardado em pastas próprias para a conservação dos negativos ou fazer pastas de maneira artesanal, sempre com materiais alcalinos e antiácidos. A umidade e o calor podem danificar consideravelmente um negativo. Todo cuidado nesse sentido é pouco.

Existe mercado profissional para a foto em película? Qual?

       Existe sim, mas é reduzido se comparado com o mercado digital. Mas hoje e a cada dia que se passa, muitas produtoras estão incluindo nos seus trabalhos publicitários fotografia e filmografia feita em filme. Até no mercado cinematográfico internacional e festivais de cinema como o de Mônaco e outros muitas obras produzidas em película têm sido premiadas. Tudo isso tem levado a um maior interesse por parte dos profissionais para somar registros analógicos nos seus trabalhos.  Aqui no Brasil fotógrafos e diretores de fotografia têm se aventurado a fazer uma mistura de produções misturando digital e analógico. O diretor de fotografia Nestor Grün e o documentalista Hugo Takemoto, que estarão conosco em Paraty, são bons exemplos.

 

Que nomes da fotografia analógica, no Brasil e no exterior, você indicaria como boas referências?

     Cláudia Andujar, Tomas Farkas, Sebastian Salgado, Juh Almeida, Walter Firmo, German Lorca. No exterior, Ansel Adams, Nina Leen,Cartier Bresson, Dorothea Lange, Robert Frank, Anne Leibovitz, Vivian Maier,Gerda Taro e Robert Frank, Joe Buissink.

O processo de aprendizado é diferente? Que curso(s) você indicaria para quem pretende se aventurar nesse mundo?

     Sem dúvida o SESC em São Paulo tem se destacado nesse ponto. Sempre tem cursos de fotografia analógica e com excelentes professores.

      Também alguns laboratórios particulares como o da Rosangela Andrade, que é responsável pelo Clube do Analógico. Lá você pode aprender desde o básico até se tornar um profissional no assunto, a experiencia dela é tão rica quanto os acervos do laboratório, que contam com obras dos fotógrafos icônicos do país.

Qual é a proposta do Festival de Arte Analógica SP? Como funciona, que ações vêm produzindo, há quanto tempo foi criado, enfim, trace um perfil do grupo, por favor.

      A proposta do Festival sempre foi promover um encontro especial com a galera do universo analógico, não só fazer uma feira de produtos. Esse encontro deveria servir para troca de ideias, projetos, participar de uma palestra, ter oficinas, ter exposição, ter tudo o que fosse possível e permitido trazer...

        Ele nasce em 2019 justamente da frustração de não poder participar de uma feira de produtos analógicos que acontecia uma vez por ano em São Paulo. Por diversos motivos a organização dessa feira não tinha mais espaço para alocar uma quantidade de artistas e vendedores de produtos analógicos que originalmente participariam nela. A lista teve que ser reduzida à metade e muitas pessoas ficaram fora. Eu tive então a ideia de fazer o nosso próprio evento, mas que não fosse só uma feira e sim várias ações artísticas, atreladas a uma produção analógica. Foi assim que, com o Gustavo Nanni, que hoje é responsável pelo Nanni Lab em São Paulo organizamos o primeiro evento. O local foi numa pequena escola de fotografia no bairro de Pinheiros.

         Essa primeira chama resplandeceu e ajudou a iluminar o caminho. Em 2020, não pudemos ter o evento, por causa da pandemia, mas em novembro de 2021 conseguimos trazer de volta o Festival, desta vez num local muito melhor e dedicado completamente a fomentar as artes. A Unibes Cultural de São Paulo foi quem nos acolheu e com a ajuda deles conseguimos fazer um evento completo e bem maior que o primeiro.

          Tivemos oficinas e palestras com professores e professoras doutores em fotografia vindos de diferentes regiões do Brasil. Também exposições e uma feira de produtos com representantes de Curitiba, Rio de Janeiro, Paraná, Belém do Pará, Belo Horizonte e São Paulo. A média de público foi muito boa, com todos respeitando as restrições de saúde e muita alegria. Um sucesso!

        O nosso intuito é trazer mais oportunidades para a criação de espaços em que possamos levar as ações do Arte Analógica a mais cantos da cidade, que sabe no futuro até em outras cidades do Brasil.

E você, qual é sua trajetória na fotografia?

       Eu sempre gostei de fotografar, mas como nasci num bairro pobre em Santiago do Chile e numa época de turbulência política e social grave, não tinha muito acesso a uma câmera que eu pudesse chamar de “minha”. Sempre tinha as câmeras da família, do meu pai, minha avô, uma polaroid e uma que outra saboneteira simples...

     Foi no ano 2000, no Paraguai, que tive a minha primeira experiencia com uma câmera analógica profissional, uma Nikon FE. Era de um amigo argentino que me emprestava para eu fazer registros de um trabalho voluntário ao qual dedicávamos as nossas vidas. Eu registrava as ações culturais e de ajuda social que fazíamos numa comunidade de indígenas Maka em Ciudad del Este - só existem uma 100 famílias Maka hoje no mundo.

      Também registrava as apresentações do teatro de fantoches/bonecos que usávamos para incentivar bons valores nas crianças da cidade. Após três anos de trabalho voluntário no Paraguai vim morar no Brasil. Tive que me despedir da querida Nikon FE e continuar com a vida.

Para minha surpresa a fotografia quis se reencontrar comigo em 2014. Atuava como professor de espanhol em São Paulo. Assim decidi me inscrever num curso no Senac, um curso livre de fotografia que durava quatrp meses...logo um curso livre de flash dedicado...e finalmente um curso técnico de dois anos.

         Me formei com Técnico em Processos fotográficos e comecei a trabalhar na maior parte do tempo em eventos do Agronegócio, Tecnologia da Informação e Segurança, congressos de advogados e alguns eventos particulares como aniversários e casamentos.

Em 2016 por essas coisas do destino (eu tenho o costume de dizer que foi o amor de Deus) retomei contato com aquele amigo argentino que anos atrás tinha me emprestado a querida Nikon FE. Mas desta vez, ele sabendo que eu tinha estudado fotografia me deu de presente a querida FE a qual viajou desde Juiz de Fora para São Paulo para voltar a ativa e me acompanhar como fiel escudeira até os dias de hoje.

          O que mais me impressionou na chegada dela é que a câmera estava no mesmo estado de conservação que no primeiro dia que chegara as minhas mãos 16 anos antes. O Ciro, meu querido amigo argentino, soube cuidar dela com imenso amor. Com ela tenho feito registros que na maior parte deles os guardo em pastas dedicadas para projetos que ainda precisam ser finalizados. Um deles é fazer um livro com o título “Feitas com a FE”. Que são registros com filmes preto e branco e coloridos em circunstancias em que é preciso ter mesmo bastante fé para acreditar que dali sairá uma foto, momentos de baixa luz, em lugares não muito comuns para fotografar, momentos inesperados que precisaram de muita rapidez pois a cena podia durar apenas uns segundos...enfim, fotos feitas com fé usando uma FE. Algumas dessas fotos foram expostas na Matriz Cultural nos dias do PEF.

Como foi a participação do Festival de Arte Analógica SP no Paraty em Foco?

        Fizemos uma parceria com uma casa linda no Centro Histórico, se chama Matriz Cultural. É um bar, restaurante, galeria e ateliê de tatuagem. A Sara e o Rafael, os proprietários, são também pessoas voltadas a arte. Eles são muito queridos e ficamos muito felizes de contar com seu apoio,

         Na galeria, apresentamos obras de seis artistas amigos e colaboradores do Arte Analógica em São Paulo, e um artista paratiense. Obras em Cianotipia, fotografia 35mm preto e branco e coloridas com temas como viagens pela Amazônia, centros urbanos, mulheres no skate, conflitos sociais no Chile nos anos 80 e registros para produção de documentários feitos em Nova Iorque nos anos 90.

          No primeiro dia do festival, os próprios artistas falaram sobre suas trajetórias, num bate papo descontraído com o público na Matriz Cultural. Também fizemos uma projeção na tenda da Praça, com um espaço para contar mais sobre o Arte Analógica, curtir diretamente com o publico visitante, trocando ideias e mostrando o trabalho dos artistas que nós acompanham e divulgando outros que existem em outras cidades do Brasil. Também fizemos oficinas de fotografia 35mm; fotografia Pinhole, Grande Formato 4x5 teoria e prática, Cianotipia e filmagem com câmeras Super 8. Foram momentos de muita troca e aprendizado.

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