Selfie em Foco 2019
A curadoria do Paraty em Foco promoveu a chamada Selfie em Foco 2019, visando expor autorretratos criativos enviados por fotógrafos. Foram selecionados 32 autorretatos, evidenciando a variedade de expressões e abordagens. Participam da exposição Adilson Andrade, Alexandre Suplicy, Ana Gilbert, Antonio Salaverry, Arthur Kolbetz, Bruna Vianna, Carolina França, Cecilia Bethencourt, Felipe Garofalo, Fernanda Lider, Flavia Baxhix, Gilma Mello, Khalil Charif, Lilian Nader, Luci Polina, Luciana Crepaldi, Marcos Marcolla, Maria Jose Benassi, Mariana Pêgas, Marisa Souza, Mazé Martins, Natalia Rocha, Paula Mello, Rafael Silva, Renato Lo, Roberta Sucupira, Rossana Medina, Tacila Torres, Tika Tiritilli, Veronica Machado Nani, Victor Garcia e Zé Renato. Local: Pátio da Casa da Cultura. De 18 de setembro a 14 de outubro.
FINALISTAS ENSAIO
BLOG PEF 2022 Por André Teixeira
BATE-PAPO COM JOELINGNTON RIOS
Você nasceu e foi criado num quilombo no Maranhão, e hoje tem trabalhos no Museu de Arte do Rio e centros culturais na Europa. Como foi essa trajetória? Como a fotografia surgiu na sua vida, e como você se descobriu um artista?
Como diz o Paulinho da Viola, foi um Rio que passou em minha vida. A fotografia surgiu em minha vida depois da imagem, pois sempre ouvi boas histórias na infância, no meu Quilombo Jamary dos Pretos, no Maranhão. Quando eu tinha 14 anos, tive contato com uma fotografia minha de quando criança, apresentada para mim pela minha professora, era a mesma imagem que eu cresci ouvindo a minha família contar sobre. Acho que ali começa um importante movimento através do ato de me ver, eu me vi ali pela primeira vez e enxerguei todas as minhas encruzilhadas. A partir daí começo a fazer fotografia com um celular, do dia a dia da minha comunidade. Anos depois eu tive que estudar fora do Quilombo na sede da cidade, em Turiaçu. Quando eu cheguei na cidade, começo a ter acesso a internet, ao Facebook e vejo uma oportunidade de falar sobre a minha história e o meu povo através das fotografias que eu ia fazendo e com as oralidades compartilhadas a mim pelos moradores.
Isso vai crescendo, na época eu também queria ser jornalista e anos depois meu irmão me convida para vim para o Rio de Janeiro. Vi nesse convite uma oportunidade de estudar fotografia e me formar em jornalismo, mas tudo mudou quando eu cheguei na cidade. Estudei fotografia com João Roberto Ripper, ali foi a base para toda uma produção que viria a ser estruturada em seguida. Depois estudei artes nos espaços independentes pela cidade, isso me ajudou muito no meu processo de me ver como artista e de pensar na minha produção e no que intercede ela.
Acho importante falar que minha trajetória sempre foi banhada na arte do encontro, nos atravessamentos e fluxos que faço muito ligado à coletividade, então não faço nada sozinho e nada se dá sem o outro.
Eu sempre me vi somente dentro do fazer ligado à fotografia e da identidade de ser um fotógrafo, mas com a chegada do meu trabalho “O que sustenta o Rio”, em 2018, vi que era importante criar laços com a arte contemporânea brasileira, me colocando e me reafirmando quanto artista, um quilombola e artista. Meu trabalho tem a fotografia como linguagem central, mas não me fecho às possibilidades de criação e de suportes que podem me ajudar na minha comunicação.
O que o Joelington Rios artista guarda do menino Joelington Ribeiro? Como a vida no quilombo influenciou e influencia sua obra?
Eu tenho uma lembrança muito fresca da minha infância nos rios do meu quilombo. Eu costumava acompanhar a minha mãe durante a lavagem das nossas roupas no rio ou quando íamos pescar, acho que foram os dias mais felizes da minha vida. Eu também gosto de lembrar da casa da minha avó, da areia que havia na porta da sua casa e do cajueiro que tinha no quintal, eu e meus sobrinhos da minha idade brincávamos muito lá, era como se o tempo não passasse e que fosse dado somente para nós. Na adolescência, que também se deu em meu Quilombo, eu fui um menino mais sozinho, isso me permitiu ter contato e interesse em coisas que fugiam da rotina de qualquer garoto local, eu comecei a gostar de moda e arte e participar dos movimentos culturais da minha comunidade como o tambor de crioula. Acho que esse envolvimento me permitiu ter contato e interesse em me envolver mais com o universo da arte e cultura, na época sem uma certa proteção. Eu tive uma professora que me ajudou muito nesse processo, me incluindo nos fazeres e atividades do quilombo, inclusive foi ela que me apresentou pela primeira vez o livro “Terra de preto”, história de nove comunidades negras rurais, na qual há uma imagem de quando criança, feita pelo fotógrafo Ricardo Teles com uma câmera cybershot.
Tudo o que faço diz muito sobre essas relações. Os meus trabalhos e fazeres estão intimamente ligados a essas vivências em meu quilombo junto com os meus e de certa forma fora dele também, isso me constitui grandemente, apesar de não ficar somente nesses lugares. Eu sei de onde eu vim, como e com quem vivi e isso é importante para o que eu faço hoje e amanhã
Seu primeiro trabalho, “O que sustenta o Rio”, teve grande destaque.
É um conjunto de imagens em que se pode observar uma forte conotação social, de exposição das desigualdades. Isso foi premeditado? Você sempre teve consciência desse simbolismo?
Sim, o trabalho chegou de forma muito bonita, assim como foi recebido pelo público. Até hoje me empolga muito receber as partilhas que surgem quando olham o trabalho.
Eu sei o que é desigualdade, sei o que é viver abaixo da linha que separa e tira toda a beleza das nossas dignidades, eu também sei muito bem o que é viver fora desse lugar. Quando eu cheguei no Rio, o senso crítico se ampliou de forma muito mais perceptiva e real, aqui esse contraste e questões sociais fazem parte do nosso dia a dia e estão sempre em nossa cara, seja em nossas vivências, visualidades e corporalidades, o Rio deixa bem claro o seu lugar dentro da sua estrutura. Acho que o trabalho nasceu quando eu comecei a fazer parte desse sistema de sustentação, agora não mais como observador mas como participante, um sustentador. Eu não sou do Rio, eu venho de um Quilombo no norte do Maranhão, da floresta amazônica, isso me ajudou muito, eu sempre fui uma pessoa muito atenta àquilo que está ao meu redor, sempre ouvindo. Para a construção desse trabalho foi importante ouvir e prestar atenção nos arredores e pessoas que iam cruzando o meu dia a dia, seus relatos e olhares dizem muito sobre a cidade onde viviam.
Você teve uma ascensão rápida como artista. Qual o impacto disso na sua vida pessoal e profissional? Há um peso, uma expectativa em relação aos próximos passos?
Vivemos em uma era onde tudo se dá de forma muito rápida, eu acho que não gosto muito disso. Tenho respeitado bastante o meu tempo, com esperança de que um dia ele me respeite também, pois o que fazemos com o tempo o tempo respeita. Digo, eu tenho muita pressa, pois eu ainda ouço a minha mãe falar de fome, mas ao mesmo tempo eu estou sempre pensando de que forma eu posso construir uma trajetória que dure, que não acabe em cinco anos, pois o tempo em que vivemos assim como favorável também é cruel. Eu acho que ainda estou no processo de expansão, tenho feito esse caminho de forma atenta e corajosa, acredito muito que não sozinho, isso é bom, porque é importante pra mim ter esse espírito de uma comunidade também nesses fazeres. Eu estou atento, o que venho fazendo é sério e quero cada dia mais fortalecer e amadurecer meus caminhos, minha produção e meu nome no circuito da arte. Quero ser lembrado e mencionado por aqueles que virão depois de mim.
Que projetos você vem desenvolvendo atualmente? Está experimentando outros caminhos na arte, como a escultura?
Venho construindo alguns! Estou em um processo de pesquisa e produção de um trabalho chamado “Entre Rios e Mocambos”, uma pesquisa ampla e bonita sobre minhas raízes, deslocamentos e fazeres que também envolve aqueles que fazem parte desse caminhar. Esse trabalho tem me dado possibilidade de experimentações e uso de novas tecnologias e linguagens para além da fotografia, isso me deixa empolgado. Tenho me interessado sim em escultura, em breve devo mostrar os primeiros resultados.
Quais são suas referências na fotografia e na arte em geral?
Gosto muito de alguns nomes, como João Roberto Ripper, Ana Carolina Fernandes, Eustáquio Neves, Aline Motta, Ana Mendes, Rodrigo Pinheiro, Marcela Bonfim, Rosana Paulino e tantos outros que não necessariamente são da arte e da fotografia.
O artista Joelington tem outra atividade profissional? Como conciliar a criação com o dia a dia, e como um influencia o outro?
Eu trabalho com impressão fine arte no estúdio Pandorapix, minha terceira casa e também lugar responsável em minha formação. Às vezes é difícil, mas tenho liberdade de fazer as duas coisas, graças ao apoio do Marcelo Carrera que sempre está me apoiando e acreditando nos meus fazeres.
O que você vai expor no Paraty em Foco? Qual sua expectativa para o Festival?
Eu vou exibir algumas obras da série O que sustenta o Rio, essa pesquisa de 2018 que fala sobre processos de sustentação e formação dos grandes centros urbanos, do Brasil eu diria. Estou super empolgado apresentar esse trabalho para Paraty. Eu adoro festivais de fotografia, acho que esse é o meu primeiro como participante, minha estreia e estou super feliz com a encruzilhada que se abrirá.
Joelingnton Rios, é um dos convidados do 18º Paraty em Foco, seu "Encontro e Entrevista" e exposição "O que sustenta o Rio", teve a parceria do Polo Sociocultural Sesc de Paraty.